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Gambiarras na roda do ano
A gente sempre ouve as mais diversas discussões sobre celebrar a Roda do Ano “pelo Norte” ou “pelo Sul”, todas com o mesmo blablabla de um lado e do outro. O fato é que quase ninguém pára para pensar de verdade no assunto.
Vejamos!
Uma celebração verdadeira da Natureza requer rituais a todo momento. Em um dia inteiro, temos “uma roda do ano completa” com o nascer do sol, seu ápice, sua morte etc. Alguém aqui celebra o nascer do sol ou espera apenas para o solstício de inverno? E o pôr-do-sol?
Claro, é compreensível que seja muito difícil hoje em dia poder celebrar um pôr-do-sol no dia-a-dia. Geralmente a esse horário estamos no trânsito da Marginal Tietê ouvindo “A Voz do Brasil” e apenas desejando desesperadamente chegar em casa, na faculdade ou onde quer que seja. Mas sabe, existem janelas mesmo nos carros.
O que mais me chateia nessa história de se dizer pagão ou não é a pessoa não valorizar o paganismo no seu dia-a-dia. Sabe, é muito fácil celebrar um sabá de equinócio de primavera e, no mesmo dia, tomar um banho de uma hora. O que tem a ver? Tem a ver que você não está honrando a água que lava o seu corpo, a água que te purifica, e está desrespeitando o planeta.
Mas tudo bem, não estou aqui pra dar sermão, mesmo porque eu não sou ninguém para fazer isso (e nem faria, caso fosse). É só um simples desabafo.
Aqueles que celebram a roda “pelo hemisfério norte” o dizem que fazem pela conexão com a egrégora gerada em tantas décadas em torno de tais datas, mas aí estamos ignorando o que está acontecendo com a Natureza ao nosso redor.
Você celebra a roda do ano “pelo hemisfério sul”? Puxa, parabéns pra você. Você acha que está adaptando a roda ao seu ambiente, mas não está.
Os celtas não celebravam os solstícios e equinócios. Há rumores de que tais datas sejam observadas, mas não celebradas como os quatro grandes festivais do fogo. E tais festivais são parte da cultura de um povo. Sua celebração não envolve só uma data e descrições superficiais das estações. Não é simplesmente pegar Samhaim e celebrar em maio porque você inverteu os outros quatro sabás. Não faz sentido. Ninguém vai celebrar a Lupercália em outra época que não seja a sua mesmo. E por quê?
Porque quando falamos de egrégoras e ancestralidade, estamos falando de pessoas, povos, culturas. Há alguns anos briguei com uma professora na faculdade porque Baco não é “a mesma coisa” que Dioniso, e ela dizia que era. Sabe, povos diferentes geram cultos diferentes e, consequentemente, divindades diferentes, assim como diferentes formas de cultuá-la.
O que quero dizer é que, da mesma forma como acontece com as divindades, celebrar um sabá simplesmente invertendo a roda do ano não o fará mais próximo da sua realidade do que se você celebrasse “pelo hemisfério norte”.
Não estou falando dos solstícios e equinócios. Esses, obviamente, devem ser celebrados em sua época, onde você está. Estou falando dos principais festivais da cultura que você estuda e se dedica. No caso da celta, quantas pessoas sabem as origens do festival de Imbolc? Ou de Samhaim? E qual o sentido de celebrar Beltane em outubro? Sim, existe uma simbologia associada à época, mas o clima europeu é absolutamente diferente do clima brasileiro e existem outras simbologias também. Ignorar isso é fazer tudo nas coxas simplesmente porque é mais fácil. Muito bonitinho só inverter as datas. Mas não tem nada a ver.
Quantas pessoas observam o seu dia-a-dia e as mudanças que ocorrem na Natureza no decorrer do ano? Muito poucas. A maioria simplesmente lê em algum livro que no equinócio de outono o deus morre e é tempo de agradecer. Mas o sol não morre nessa época no Brasil. Nessa época, temos verde em todo lugar, pois muitas plantações são mais sensíveis ao sol e crescem apenas nessa época.
Tudo é diferente! Então fico imaginando um culto à Natureza decente neste país e uma pessoinha nada a ver querendo celebrá-lo “pelo hemisfério norte”, estando na Holanda ou sei lá onde, simplesmente invertendo as datas. Isso é celebrar a roda do ano? Só se for a dos outros.
Adaptar a roda do ano não é simplesmente inverter as datas dos festivais. Não estamos falando de datas, mas de mudanças significativas na Natureza. A simbologia aqui é totalmente diferente, tudo é diferente, pois estamos falando de lugares diferentes. E não adianta ficar caçando analogias porque continua não sendo certo.
Tantas pessoas escrevem pra cá perguntando como fazem para celebrar uma colheita se não as têm, e é verdade. Por mais que você associe a uma “colheita de seus atos, psicológica”, isso é gambiarra. A celebração das colheitas pelos povos celtas era a celebração das colheitas de verdade, não uma celebração de colheitas simbólicas.
O que celebrar então? Socorro, eu estou perdido(a)!
Pois é, bem-vindo(a) ao mundo. Ser pagão é ver a Natureza como sagrada; ser bruxo a) é usar a magia natural a seu favor e para a geração de resultados. Que tipo de ritual você pode fazer para algo que não existe em sua realidade?
O que está acontecendo á sua volta hoje? Quais as frutas e vegetais da época? Você sabe? Costuma visitar a feira? O que está mais barato é o que está em época, pela abundância.
Tanta gente procurando por mandrágoras para feitiços, ou querendo seus bastões feitos de bétula ou carvalho, mas não estão nem aí para o ipê amarelo. Todo mundo preocupado com rituais para descobrir o seu animal totem, assim como acontece no xamanismo norte-americano, enquanto milhares de índios vão sendo assassinados aqui mesmo, no Brasil. Tem índio pedindo esmola na Av. Paulista e muito pagão ainda ignora! As tradições da Terra vão se perdendo! Que tipo de pagãos somos? Não que devamos abraçar todas as causas, pois é impossível, mas precisamos ao menos ter consciência do que está acontecendo.
Enquanto isso, fica-se discutindo a validade ou não da autoiniciação, ou se é melhor celebrar pelo sul ou pelo norte. Parem! Parem e observem a Natureza, pois é isso que vai fazer você aprender na prática como a magia opera, e o que é ser bruxa ou bruxo.
Ser pagão não é só usar uma fitinha roxa em setembro, ou um pentagrama brilhante o ano todo, ou celebrar oito sabás sem significado algum. Vamos sair da superficialidade; vamos buscar aquilo que somos em nossa real essência.
O que você celebra?
A Roda do Ano no Hemisfério Sul
A Roda do Ano no hemisfério sul
As estações do ano aqui no hemisfério sul são invertidas, com relação ao hemisfério norte. Assim, quando lá é inverno, aqui é verão e vice-versa.
A Roda do Ano, em seu conceito original, foi criada por bruxas e bruxos que viviam no hemisfério norte. Dessa forma, é comum encontrarmos em livros e sites as datas correspondentes a esses países. Existem tradições em torno dessas celebrações.
Muitos pagãos preferem não alterar o sentido original da Roda e celebrá-la de acordo com as estações no hemisfério norte, de acordo com o original. Alguns outros celebram os sabbats menores de acordo com o hemisfério sul e os maiores de acordo com o hemisfério norte. Outros celebram a Roda pelo hemisfério sul mesmo, pois é onde estamos.
Há diversos motivos positivos e negativos para todas essas opções. Não há uma opção “certa”. Se você quiser celebrar pelo sul, então você terá a chance de acompanhar na pele o frio do inverno durante a celebração, ou o sol em seu auge no verão, a chegada da primavera, as folhas caindo no outono. No entanto, ao celebrar pelo norte, você aproveitará a época de Halloween no final de outubro mesmo, dará ovos de Páscoa para seus amigos em Ostara e por aí vai. A celebração mista garante ambas as situações e acaba sendo a alternativa mais natural, porém depende muito de cada um. O que vale a pena lembrar é que a Roda do Ano não se restringe somente ao acompanhamento das estações, e a simples inversão de datas não é realista.
Trata-se de uma escolha pessoal, na verdade. A pessoa escolhe a maneira de celebração de acordo com o que pede o seu coração. Não há uma “dica” ou “fórmula” para escolher como celebrar. O mais adequado mesmo seria tentar celebrar de todos os jeitos, para ver como você se sente. De fato você sentirá no primeiro ritual que fizer, se não for a maneira com a qual você se sente melhor.
O que é muito importante é não se esquecer de que há outras pessoas celebrando também. Lembre-se da rede; da grande teia que nos envolve. Por mais que celebremos Beltane em novembro, não podemos nos esquecer que naquela mesma época nossos amigos do hemisfério norte estão celebrando Samhaim. E esse é um dos grandes baratos da Roda: ela não tem começo, nem meio, nem fim. Não há demarcação. Você pode entrar em qualquer ponto e já estará dançando junto com todos. E é importante respeitar também a história da cultura que você “segue”. Trazer Samhaim para maio não é a mesma coisa que celebrar este sabá em outubro, pois não estamos na Bretanha! Não é só trocar as datas - há muita coisa diferente.
Em nenhum lugar do planeta a roda é igual. Até no sertão do Nordeste, onde temos aquela ideia constante de seca, há períodos de chuvas e inundações. O ideal é você observar tais mudanças no seu ambiente e adaptá-las para a Roda do Ano. Isso vai dar o seu toque à Bruxaria que você pratica. Isso que vai fazer você ter uma experiência realmente íntima com a sua religiosidade.
Obviamente é interessante você descobrir quais são os alimentos típicos de sua região para poder usá-los nos rituais para honrar a Terra e realizar o banquete. Há muito o que se descobrir! E nós devemos ser criativos!
O sentido de colheita pode nos ser muito mais simbólico que, de fato, real. No equinócio de outono, por exemplo, procure meditar a respeito das sementes que você plantou no outro ano, e o que você está colhendo agora. Foi compensador? O que poderia ter sido diferente? Qual sua relação nisso tudo? Mas não se esqueça de quem celebrou tudo isso com colheitas de verdade. Talvez você tenha suas próprias “colheitas”. Observe a Natureza. Preste atenção. Essa é a dica de ouro.
A verdade é que a Roda do Ano é sem dúvida real, mas também é riquíssima em simbolismo. Quanto mais você vai lendo sobre, observa a Natureza em todas as épocas, realiza os rituais, mais você descobre uma coisinha aqui e outra ali. E é muito importante você anotar tudo o que está sendo desenvolvido dentro da sua mente e coração.
Celebrar pelo hemisfério sul pode ser complicado, especialmente para quem ainda é dependente financeiramente. Tem coisas que são assim mesmo: enquanto você não tiver a sua própria casa ou o seu próprio espaço, tudo pode ser bastante difícil.
Imagine celebrar o solstício de inverno em junho. O Natal é celebrado no dia 25 de dezembro, e tem basicamente o mesmo conceito das práticas pagãs sobre o solstício de inverno (mesmo porque o Cristianismo disfarçou muitas práticas pagãs chamando-as de cristãs). A própria árvore de Natal, com uma estrela no topo, é uma imagem clara de como as práticas pagãs sobreviveram há tantos séculos. Enfim, celebrar em junho pode ser bastante decepcionante, se você procura reunir a sua família, porque eles não vão entender muito bem o que está acontecendo (e não são todos aqueles que querem ouvir a sua explicação, infelizmente). O mesmo ocorre com o equinócio de primavera e a tradição de pintar ovos. Se você decorar ovos em setembro e der para seus amigos, possivelmente vão tentar lhe fazer lembrar que a Páscoa é em abril. Ossos do ofício.
Quem celebra pelo hemisfério sul deve estar preparado para esse tipo de situação. Se você tem certa liberdade em casa, ou mora sozinho(a), pode ter mil ideias para celebrar em casa, chamar os amigos, mesmo a família, e é uma ótima oportunidade de estar junto deles. Lembre-se que a ancestralidade é muito importante na prática da Bruxaria. Provavelmente seus amigos ficarão curiosos e você poderá explicar (sem chatice) porque você está fazendo aquilo. Com toda a certeza eles acharam bacana e aproveitarão a oportunidade de ir em uma festinha, hehe. Não se preocupe. Aproveite a vida e harmonize.
Por mais que existam todos esses “probleminhas” na hora de “escolher” de que modo celebrar, nada disso é maior do que a sensação de acordar cedo no dia de solstício de verão e sentir o calor do sol, honrando a Natureza como um(a) bruxo(a) sabe fazer. Ou ficar em silêncio no fim da madrugada de Yule, esperando a criança da promessa nascer. São sensações indescritíveis e estão ao alcance de todos nós, pois independe de situação financeira, amorosa ou psicológica para sentirmos. A Natureza é o que é, sempre, e está aí para todos. Não pire tentando descobrir “qual a melhor forma de celebrar”. Deixe a vivência falar por si própria.